É só quando ninguém nos pede algo que encontramos um lugar em nós que nos é mais legítimo. Mas se ninguém espera nada de nós, de que lugar em nós surge o ímpeto de fazer algo?
Escrevo isso, de novo, pensando na escrita. Quando criei essa newsletter, minha proposta era a de resgatar um lugar onde eu pudesse, o mais livre possível (a liberdade é limitadíssima), escrever e compartilhar algo com alguns.
(Foto tirada do corredor do meu consultório)
Por anos o lugar de fazer isso foram os blogs, depois o falecido Twitter, o Facebook, o Instagram...algo disso se transformou em livros, cada vez foi chegando mais gente e quanto mais gente chega mais esperam algo de mim e/ou eu suponho que esperam algo de mim e isso me inibe na escrita. Também me inibe na escrita o desejo/fantasia de que os algoritmos trabalhem a meu favor, que meus textos sejam compartilhados, que meus livros vendam, que eu seja de alguma maneira amada pelo que escrevo. Tudo isso me atrapalha muito na escrita. E tudo isso sou eu e meu narcisismo no meio do caminho dessa coisa que me é tão cara, que é a escrita. Não acho que seja possível excluir isso inteiramente, pois como escrever sem eu? Mas confesso para vocês que essa news tem a proposta de me tirar um pouco do meio do caminho da minha escrita. Aqui a lógica algorítmica ainda não chegou. Todo mundo que se inscreve para ler meus textos o recebe em sua caixa de e-mail, independente do texto ser mais ou menos curtido/gostado/amado. Aqui eu tenho espaço à vontade para escrever e não espero receber retornos imediatos de vocês. Confesso, no entanto, que também me entusiasma muito quando cada novo assinante chega e em especial quando esse assinante decide por livre e espontânea vontade "apoiar" a news. Esse apoiar é pagar algum dinheiro por esses textos. Como eu já disse/escrevi em outro momento para vocês, quando criei essa news pouco me atentei para essa opção, que não me parecia importante. Mas eu tenho descoberto que é, sim. Eu fico emocionada quando alguém decide pagar por algo que é gratuito. Mas outro dia me peguei um tanto angustiada com isso. Como entender que esse "apoio" que recebo, chega para mim gratuitamente também, e não como "demanda" de que eu faça algo?
Então, escrevi para Marcela, que é quem trabalha comigo para tornar essa newsletter possível (aliás, recomendo o trabalho dela @tchelac) preocupada com o que aconteceria se eu não conseguisse ou não quisesse mais escrever aqui. Ela me disse que bastaria tirar a opção de apoios pagos. E isso me tranquilizou o suficiente para que eu decidisse manter essa opção.
A gente diz que quer ser amado pelo outro, mas é difícil de suportar receber do outro aquilo que chega para nós como demanda, né?
Eu fiquei pensando que esse apoio é uma espécie de chapéu, que os artistas deixam na rua enquanto fazem seu trabalho. Aquilo é gratuito e está para quem quiser apreciar, mas quem quiser deixar algo, pode. Isso não significa que esse alguém esteja contratando um serviço pelo qual possa reclamar depois.
Tem sido difícil a gente sair da lógica do consumidor. Tudo é tratado com produtividade, escalonamento, marketing e várias outras palavras em inglês que eu sequer sei reproduzir adequadamente por aqui. Não acho que se trate da gente romper em absoluto com isso, pois não dá pra sair do mundo. E ganhar algum dinheiro é bom, além de necessário. Mas para escrever, para ser honesta comigo, para seguir escrevendo o que quero (fazendo aqui uma referência ao texto da semana passada), é preciso fazer desvios em nós dos algoritmos que moram na gente. Em mim. Estou falando de mim.
Desde que comecei a escrever esse texto, estou lembrando de Clarice (sim, de novo ela), que no prefácio do seu livro "A via crucis do corpo" diz que quando seu editor lhe pede um texto ou um livro (estou escrevendo "de cabeça" e não sei fazer a referência exata - mas fica de convite para que vocês leiam o livro), ela já começa a escrevê-lo de imediato. Então, ela fala do seu mal-estar de escrever sob demanda, mas aponta ser inevitável. Acho que escrevo aqui com vocês e para vocês também a respeito de algo disso. A respeito da grande invenção de um espaço em mim que se ligue ao que o outro demanda de mim (ou que ao menos assim eu suponho) sem que isso me impeça de escrever o que quero escrever e não o que eu suponho que o outro quer ler.
Felizmente, eu tenho as leitoras e os leitores possivelmente mais generosos desse mundo e uma das mensagens que recebi de vocês a respeito do texto da semana passada que mais se repetiu, foi algo como "por favor, continue escrevendo o que você quiser".
E essas foram das coisas mais lindas que já me disseram nesse mundo.
Tudo isso para dizer: obrigada por estarem aqui, gente.
Ontem começou a pré-venda do meu novo livro não tão novo assim, "As cabanas que o amor faz em nós". Explico: esse livro foi publicado em 2020 pela editora Patuá, que é uma editora independente. Quando o "A gente mira no amor e acerta na solidão" bombou, a editora Planeta (que é a grande editora que publicou o amarelinho) me convidou para publicar edições novas dos meus 3 livros de crônicas poéticas já publicados anteriormente. No ano passado saiu a edição nova do "Não pise no meu vazio" (cuja primeira publicação é de 2017). Agora está saindo uma edição revisada e ampliada de "As cabanas que o amor faz em nós". E logo mais sairá a edição nova de "A corda que sai do útero". Já estamos em vias de decidir a capa do livro "da corda". Vai ficar lindo demais também. Já antecipo que quero que seja rosa ou vermelha, vamos ver o que o pessoal da editora propõe. Mas por enquanto vou deixar o link da pré-venda do livro das cabanas, que será roxinho 💜 - e que já está na lista de mais vendidos da Amazon. Emocionante isso. A previsão de chegada dele é ali pela segunda, terceira semana de maio.
Um spoilerzão: tô pensando em propor um curso de escrita para acontecer no dia 25 de maio, que é um sábado de manhã. Já comecei a criar aqui, se alguém tiver demandas (risos, muitos risos) e sugestões eu vou gostar de recebê-las.
Quando comecei a escrever lá em 2000 antes do 20, bem antes. Talvez antes do 10. O meu primeiro espaço se chamava "O egoísmo de me escrever". Lá era um diário que eu compartilhada na expectativa e angústia de ser descoberta. Hoje escrevo no espaço "tateando sentimentos" porque é isso que as palavras me são: tato para o inconsciente. Enfim, tudo isso pra partilhar trajetória e te dizer: obrigada pela sua coragem de ser fiel a suas palavras e "escrever o que quiser" <3
“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Um ciclo infinito de redescobertas das escritas de Ana e da leitura de nós mesmos.