Cada dia me sinto mais só; no entanto, isso não tem me feito sofrer, não exatamente. E eu disse que me sinto mais só, e não que estou.
Vejam, eu vivo rodeada de gente, amo várias pessoas, sou amada por várias delas também. Alguns desencontros mais substanciais acontecem de tempos em tempos, as pessoas mais importantes vão passando na peneira do tempo e das diferenças e vão ficando em minha vida, algumas pessoas novas vão chegando...enfim, nada de diferente do que deve ser a vida de cada um de vocês. Imagino que esse seja o fluxo espontâneo da vida para quase todo mundo.
Mas como disse, cada dia que passa eu me sinto mais só. Isso não é uma queixa, é uma constatação. Eu tenho com quem contar e me sinto “feliz”, de maneira geral. Bem geral. Aliás, nesse sábado vou participar de um evento chamado “Congresso de Felicidade” (é um evento enorme aqui em Curitiba) e a minha palestra se chamará “elogio à infelicidade”. Não é uma transgressão, a coordenação do evento aceitou, aparentemente até que de bom grado, esse título. Bem, mas o que eu queria dizer é que me sinto remando meio que contra a maré meio que desde sempre. Via o conjunto de amigos e amigas, desde a infância, que pareciam tão encaixados uns nos outros e nunca me senti parte daquilo, ainda que eu tenha feito parte algumas tantas muitas vezes. Quem me via de longe talvez imaginasse que eu seria parte mesmo, talvez eu mesma me olhando de longe tenha acreditado nisso algumas vezes.
O que me parece, no entanto, é que esse deslocamento em relação ao outro, em relação ao mundo, cada vez mais retorna em mim com mais destaque aos meus olhos.
Eu ainda não fui cancelada, mas estando aos olhos de tanta gente, como tenho estado, penso que, para isso acontecer, é apenas uma questão de tempo. Às vezes fico pensando se estou me preparando para isso, (como se fosse possível) se essa sensação de deslocamento atual não é uma espécie de ensaio – mas aí me lembro que essa sensação não é exatamente nova.
Por outro lado, os textos que estão nessa newsletter são todos ou quase todos, lembretes para mim mesma sobre o valor inegociável da escrita para mim como um espaço de liberdade. E eu não sei se vocês sabem, mas: 1) liberdade é uma palavra que só existe no diminutivo do diminutivo “liberdadezinhazinha”, uma vez que ela é muitíssimo pequena em nossas vidas; e 2) liberdadezinhazinha rima com solidão. A gente não só mira no amor e acerta na solidão, mas também mira na liberdadezinhazinha e acerta na solidão.
Fazer jus ao lugar em mim que me possibilita escrever me custa viver de uma maneira a preservar isso em meu corpo. Fazer jus ao lugar em mim que me possibilita escrever é muito maior do que um trabalho, do que um ofício, do que marketing para vender livros, do que uma busca de inspiração para escrever algo para alguém, do que um esforço para ser bem quista...é um estilo de viver que leva a cortes na carne. Talvez eu esteja sendo um pouco ou muito dramática, mas talvez essa seja apenas eu e minha escrita, mesmo.
Por falar nisso, sigo espantada com o fato do meu livro “Não pise no meu vazio” ter sido indicado como semifinalista ao Prêmio Jabuti. Eu amo esse livro, mas não sei se gosto dele. (Leitores de “um dia”, do David Nicholls, entenderão – eu não vi o filme, por isso me refiro apenas aos leitores). Nesse livro do vazio encontro com minha faceta mais dramática, mais maria-do-bairro, coisa com a qual pouco tenho me identificado – por isso quis destacar que ela talvez tenha aparecido nesse texto.
Cada vez mais, me reconheço como uma pessoa que acolhe algo de uma solidão que talvez não seja do presente, mas quem sabe do futuro – ainda não sei bem o preço que terei que seguir pagando ao longo da vida para seguir escrevendo – e também não sei se continuarei suportando fazer isso ao longo de “toda” uma vida, se é que alguma vida é “toda”. Cada vez mais também me reconheço como uma pessoa bem mais pragmática do que eu costumava supor que era. Eu nem gostava dessa palavra, mas numa fala que fiz na feira do livro que participei em Caxias do Sul, recentemente, me ouvi dizendo algo como: “há pessoas que querem escrever mas não escrevem, há pessoas que escrevem mas não querem publicar, há pessoas que querem publicar mas não escrevem - eu quero escrever, escrevo, quero publicar e publico”.
Acho que fui honesta nessa minha fala, não acho minha escrita grandiosa, não me acho inovadora, não penso que tenho grande coisa a acrescentar no mundo da psicanálise, da literatura ou mesmo das redes sociais. Apenas me parece que minha trajetória de vida, que não seria nada parecida com o que é se não fosse minha experiência com a psicanálise enquanto analisante e estudiosa, tem me permitido me aproximar significativamente querer de desejar – o que em outros termos, pode ser dito com: honrar as descobertas que fiz/faço sobre mim em análise.
Há solidões que podem ser muito boas (e elas não são as solitudes, que me parecem ser garantidamente boas). Com elas, tenho aprendido um tanto sobre o que me anima na vida. Não é tanta coisa assim.
Sobre o meu trabalho:
O Congresso de Felicidade, ao qual me referi, vai acontecer nesse final de semana em Curitiba.
Dias 26/11, 10/12 e 17/12 acontecerá meu Seminário de curta duração, das 09h às 12h, online, pelo Centro Psicanálise. Antecipo que será uma atividade para quem tem clínica já ou está decidido a ter. E também que só se beneficiará, de alguma maneira dessa atividade, quem já tem um percurso de análise pessoal. A ideia é que sejam exposições e discussões voltadas exclusivamente para a clínica psicanalítica. As inscrições estão abertas.
Logo logo vamos colocar a primeira edição do Clube de Palavras à venda para quem quiser assistir às gravações. Dividirei com vocês.
Dia 05 de novembro darei uma aula aberta sobre “psicanálise e narcisismo” pelo @espe.cast. Para se inscrever para assistir (é gratuita) clique aqui.
Dia 08 de novembro tem lançamento do livro “Como amam as crianças?” em São Paulo.
Dia 13 de novembro participarei da Festa Literária de Ilhéus!
Ah Ana…
Que texto!