E eu, que cheguei hoje para escrever essa News sem um texto na minha cabeça?
Explico: viver com o compromisso de escrever um texto no horizonte, é viver meio que à procura de algo para escrever. Por isso eu defendo que viver escrevendo é bem mais interessante do que viver sem escrever, como já disse aqui para vocês em outra News. Quando encontro algo para escrever, penso “arraaaaaá” e aí o texto já começa a ser escrito na minha cabeça.
Tem vezes, no entanto, como agora, que isso não acontece, ou até acontece, mas esqueço sobre o que escrevia em pensamentos no meio do caminho e, de repente, preciso enfrentar a folha em branco sem nenhum texto começado em meu pensamento. Só que o ato de eu começar a escrever dividindo isso com vocês, já quebrou o branco da folha (página do word, no caso, para ser mais específica) e já borrou o vazio do meu pensamento e agora eu não tenho mais que começar a escrever, porque já comecei.
Boa parte das nossas dificuldades da vida acontecem meio que assim também. Quantas vezes a gente não perde o sono, a paz e o bom-humor, pensando em como resolver algo que não tem como resolver? E quando a gente já fez tudo o que podia, e ainda assim, fica achando que devia poder outra coisa, destituindo de importância o que já foi feito? E os mistérios? As coisas que a gente fica achando que deveria poder explicar, quando sei lá...apenas não pode? E não estou nem falando necessariamente de coisas graves, como um adoecimento ou um desastre natural/humano (Rio Grande do Sul não sai da cabeça), mas mesmo de coisas banais.
Esses dias fui fazer uma viagem e separei para levar os meus fones de ouvido, o carregador dos fones, o carregador do meu relógio e dois cremes (na verdade só um era creme, o outro era vitamina C para o rosto, já que estou na vibe “específica” hoje). Ao chegar no hotel, abri minha mochila e não encontrei essas coisas lá. Como eu não lembro mesmo de tê-las colocado na mala (tenho viajado tanto que fazer mala se tornou uma atividade automática, na qual cada vez mais presto menos atenção), concluí que devia tê-las esquecido em casa. Cheguei em casa há dias, revirei minhas coisas e simplesmente não encontrei esses objetos. COMO PODE ISSO DE OBJETINHOS SUMIREM? E, assim, não é um objeto pequenininho, é uma soma de vários objetos (cinco! sigo específica) que eu separei em algum momento e não foram guardados todos no mesmo lugar. Eu não guardaria a caixinha dos fones com um creme para dormir nem mesmo no meu modo automático – ou, especialmente no meu modo automático, porque o creme poderia vazar e estragar os fones, por exemplo!
Aliás, vocês fazem isso também? Por vezes, funcionar melhor no modo automático? Tantas vezes fico procurando algo em lugares inusitados e, quando vou ver, está apenas no lugar que deveria estar.
A vida é bem mais simples do que a gente a vive, tantas vezes! Mas têm as neuroses, têm os mistérios, têm as tragédias. Tem sorte, tem azar, mas tem também o pequeno grau de liberdade que temos na vida, que é aquilo que podemos fazer com as coisas que nos fazem.
Quem leu o texto até aqui vai entender a foto.
Bom, eu escrevi esse texto para enviar na semana passada. Não gostei do final (o que me levou a não gostar do começo também) e acabei não o enviando. Só que hoje, a Ana, que é a pessoa que faz faxina aqui em casa, mais angustiada do que eu com o sumiço dos objetos, os encontrou. E é claro, eles estavam no lugar que deviam estar, na minha mochila. Parabéns para mim, que faz o que devia fazer: guarda as coisas em seus lugares. Só que, pasmem vocês: estavam todos os objetos juntos. Ou seja, o creme ou a vitamina C poderiam ter estragado os carregadores (mas não estragaram). E para o meu espanto maior: se eles estavam no lugar que deviam estar, ou seja, na mochila, isso quer dizer que a viagem toda eu os carreguei pra lá e pra cá (insira aqui um emoji de palhaço).
Mas, Ana, coooomo eles estavam lá se você disse que procurou tantas vezes? Havia um bolsinho escondido, gente. E por escondido, entendam: um bolsinho que eu só vi quando fui guardar os objetos, mas não nas duzentas e trinta e sete mil vezes que fui procurá-los. Aí eu fiquei com vontade de atualizar vocês do texto que eu sequer tinha mandado. E vim agora mandar já com as devidas atualizações, como são sortudos vocês. Porque, vejam: parece que, ao menos parte dos mistérios do nosso mundo, estão na nossa cabeça. (Como podem bolsinhos sumirem [das nossas cabeças]?)
Semana passada eu mandei uma News no domingo apenas falando sobre o meu curso de escrita. Vários de vocês se inscreveram (eba!). Ainda bem. Porque dois dias depois eu postei o link nos stories do Instagram e as vagas acabaram em 4 ou 5 horas. Aviso vocês que sim, eu quero e vou fazer uma segunda edição. Mas por enquanto estou desenhando a primeira, que será nesse sábado. Quando for abrir a segunda turma, vou avisar aqui antes, de novo. (Eu tô muito empolgada com essa news).
Tem alguém de Brasília aí? Dia 6 de junho vou com meu livro roxinho das cabanas fazer um lançamento conversa com minha amiga Luciana Salum. É só chegar!
E do Piauí, tem gente? Estarei dia 13 de junho aí!
Depois de tanta falação aqui, se você quiser me escutar (escutar mesmo, não ler) falando sobre a escrita, eu gravei um episódio do podcast “Cartas de um terapeuta”, do meu amigo, psicólogo e escritor Alexandre Coimbra, no qual falei bastante sobre minha relação de amor com a escrita.
Tá aqui:
Beijos.
Ana, eu gosto muito do que você escreve e é uma alegria agora te ler no meu email. Às vezes textos são como esses bolsinhos secretos da mochila. A gente encontra neles algo que estava procurando, mas que, de alguma forma, a gente já carregava com a gente, de um lado para o outro, sem saber.
Além de perder objetinhos eu tenho dificuldades enormes de encontrar coisas, mesmo que não estejam perdidos. Quero um colírio, um cortador de unhas ou uma tesoura. Procuro, procuro e não acho. O que, no final das contas, colocá-los todos no grupo dos objetos perdidos. Se não achei, está perdido. Mas são, de algum modo, de categorias diferentes. Ou não. Ainda não sei bem.
Agora, o que me chamou muito a atenção no seu texto é, talvez, uma terceira categoria. A de objetos perdidos, mas que estavam no lugar certo. O que me faz pensar, se, nesse caso, perdido estavam os objetos ou eu?
Inevitavelmente lembrei de Clarice:
"Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria melhor sentir."